por Nuno Claro Morujo
(Eng.º Agrónomo, MBA em Gestão de Empresas e Mestre em Eng.ª Agronómica, com especialização em Economia Agrária e Ordenamento do Território)
A problemática referente ao uso de plantas espontâneas ou de cultura está hoje bem esclarecida, devendo-se, em princípio, empregar só as obtidas por cultura. Este facto fundamenta-se, não só na necessidade de se ter grandes quantidades de material vegetal para a indústria, mas também para que se não destrua o património genético existente nas plantas espontâneas (Proença da Cunha et al, 2009).
Muitas das plantas aromáticas e medicinais são comestíveis e utilizadas como alimentos, especiarias, condimentos e corantes em diferentes países. Mais recentemente, o crescente interesse pelo consumo em verde, corantes naturais e o gosto por bebidas como café de aromas, chá de ervas e bebidas nutricionais e energéticas aumentaram o consumo destas plantas (Öztekin e Martinov, 2007).
Todos os países da União Europeia são deficitários na produção destas espécies e têm que realizar progressivas importações de material vegetal de países pouco desenvolvidos, que têm mão-de-obra abundante e barata. Mas esta matéria-prima geralmente silvestre, costuma ser pouco homogénea, de qualidade duvidosa e condições higieno-sanitárias medíocres. Qualquer produção natural de material vegetal seco seleccionado é absorvida pelo mercado para que o seu preço não seja muito maior do que aquele que oferece a concorrência.
A produção de PAM é bastante complexa, já que além do cultivo engloba também a transformação e posteriormente a comercialização. No caso da produção biológica, os métodos agrícolas são os que fundamentam os princípios da agricultura biológica, pelo que é uma fase de extrema importância.
O sector de PAM em Portugal parece ser um sector em expansão, se bem que, segundo foi possível apurar, a maioria das PAM comercializadas são ainda provenientes de produções estrangeiras, cuja qualidade é questionável.
Com este estudo pretende-se contribuir para a identificação das principais características relacionadas com a produção de PAM em MPB, em Portugal. Tal como nos artigos anteriores (ver publicação em http://www.epam.pt/), foi utilizada a base de dados disponibilizada pelo GPP relativamente aos operadores notificados como produtores de PAM, em MPB, do ano 2009, em Portugal Continental.
PAM em MPB produzidas em Portugal em 2009
De acordo com o presente estudo, as espécies de PAM que mais produtores referiram ter produzido em MPB em Portugal Continental, no ano de 2009 (gráfico 1), foram: lúcia-lima com 49% dos produtores; alecrim com 46%; hortelã-pimenta e tomilho-limão com 41% cada uma; alfazema com 39%; salsa com 37%; hipericão do Gerês e orégão com 34% cada uma; coentro e hortelã com 32% cada uma; erva-cidreira e salva com 24% cada uma; e, erva-príncipe e manjericão com 20% cada uma.
Gráfico 1 – Distribuição relativa das espécies mais significativas de PAM em MPB por número de produtores
No que diz respeito à distribuição destas espécies por distrito e por número de produtores, vejamos alguns exemplos das espécies mais produzidas:
Ø Foram identificados 33 produtores de lúcia-lima, Aloysia triphylla, em MPB, distribuídos por 11 distritos – Coimbra e Santarém com 15% dos produtores cada um; Braga, Castelo Branco, Évora, Porto e Viana do Castelo com 10% cada um; e, Faro, Portalegre, Setúbal e Viseu com 5% cada um, como podemos observar no gráfico 2.
Gráfico 2 – Distribuição por distrito dos produtores de lúcia-lima, em MPB, em Portugal Continental (2009)
Ø Foram identificados 32 produtores de alecrim, Rosmarinus officinalis, em MPB, distribuídos por 11 distritos – Évora e Viseu com 16% dos produtores cada um; Braga, Coimbra, Santarém e Viana do Castelo, com 11% cada um; e, em Aveiro, Beja, Castelo Branco, Porto e Setúbal, com 5% cada um, como se pode observar no gráfico 3.
Gráfico 3 – Distribuição por distrito dos produtores de alecrim, em MPB, em Portugal Continental (2009)
Ø Foram identificados 29 produtores de hortelã-pimenta, mentha x piperita, em MPB, distribuídos por 11 distritos – Braga com 24% dos produtores; Coimbra, Évora e Santarém com 12% cada um; e, Aveiro, Faro, Portalegre, Porto, Setúbal, Viana do Castelo e Viseu com 6% cada um, tal como se pode observar no gráfico 4.
Gráfico 4 – Distribuição por distrito dos produtores de hortelã-pimenta, em MPB, em Portugal Continental (2009)
Ø Por fim, foram identificados 29 produtores de tomilho-limão, Thymus x citriodorus, em MPB, distribuídos por 9 distritos – Braga com 24% dos produtores; Coimbra e Viseu com 18% cada um; Porto com 12%; e, Évora, Portalegre, Viana do Castelo e Vila Real com 6% cada um, como se pode observar no gráfico 5.
Gráfico 5 – Distribuição por distrito dos produtores de tomilho-limão, em MPB, em Portugal Continental (2009)
Na análise por distrito verificou-se que o distrito de Braga (com 11 produtores), já era o distrito com maior número de produtores, e era também o distrito onde se produzem mais PAM em MPB (valor absoluto): dois produtores referiram ter produzido alecrim, três produtores referiram ter produzido alfazema, três produtores referiram ter produzido erva-cidreira, dois produtores referiram ter produzido erva-príncipe, quatro produtores referiram ter produzido hortelã-pimenta, dois produtores referiram ter produzido lúcia-lima, quatro produtores referiram ter produzido orégão, dois produtores referiram ter produzido salva e quatro produtores referiram ter produzido tomilho-limão. Por outro lado, destaca-se que no distrito de Setúbal o único produtor identificado produziu sete espécies diferentes: alecrim, alfazema, coentro, erva-príncipe, hipericão do Gerês, hortelã-pimenta e lúcia-lima.
No que diz respeito à área cultivada, as espécies de PAM em MPB, em Portugal Continental no ano de 2009, mais representativas são: lúcia-lima, hortelã-pimenta, tomilho-limão, alecrim, alfazema, orégão e salsa. Este é um dado meramente informativo, uma vez que os produtores manifestaram “…ter muitas dificuldades em quantificar a área de cada espécie…” por, nalguns casos, se tratarem de “…áreas muito pequenas e sujeitas a muitas rotações…”.
Breve descrição botânica
Neste ponto pensamos ser importante a apresentação de uma breve descrição botânica das 4 espécies principais que mais agricultores referenciaram ter produzido em Portugal (2009):
ALECRIM, Rosmarinus officinalis. Hab., espontânea em charnecas, matagais e pinhais do centro e sul do continente, sendo subespontânea e cultivada no norte. Bot., é um arbusto com caules lenhosos; folhas opostas de um verde-vivo-escuro, persistentes, estreitas e de bordos enrolados; pequenas flores azul-pálidas, dispondo-se ao longo dos caules nas axilas das folhas. Tem um aroma balsâmico canforáceo, característico. Util., folhas, partes aéreas floridas e óleo essencial destas.
HORTELÃ-PIMENTA, Mentha x piperita. Hab., cultivada na Europa, Ásia e América do Norte por via vegetativa (híbrido). Bot., espécie vivaz de aroma picante, geralmente subglabra, frequentemente tinta de tonalidades purpúreas; folhas ovado-lanceoladas, a subcodiformes e longamente pecioladas, geralmente serradas; inflorescência de numerosos verticilastros densos, com brácteas rudimentares formando uma espiga terminal e oblonga, frequentemente interrompida inferiormente; cálice de 3 a 4 mm, tubuloso, de tubo glabro e dentes triangular-assovelados e ciliados; corola rosa-lilacínea; é estéril. Util., folhas e óleo essencial da parte aérea florida.
LÚCIA-LIMA, Lippia triphylla. Hab., com origem na argentina, Peru e Chile; Bot., arbusto de médio porte, de folhas lanceoladas, subsésseis, um pouco ásperas, agrupadas em número de duas ou três em cada nó do caule; flores pequenas, dispostas em ramalhetes na axila das folhas superiores, de cor lilás ou violácea pálida de corola bilabiada; as folhas exalam um agradável aroma a limão. Util., folhas e óleo essencial destas.
TOMILHO-LIMÃO, Thymus x citriodorus. Hab., delimitação de bordaduras e jardins. Bot., arbusto perene, semi-lenhoso, com uma altura de 25-30 cm e um diâmetro até 60 cm; apresenta flores brancas ou ligeiramente rosadas que aparecem durante o Verão; gosta de solos bem drenados, com boa exposição solar, adaptando-se mesmo em solos muito secos. Util., toda a planta e óleo essencial.
Sistema de produção
Tendo em linha de conta as características da cada cultura, a localização geográfica, o clima e a dimensão das suas explorações, cada um dos produtores de PAM em MPB, em Portugal Continental, desenvolveu o sistema de produção que considera mais apropriado para o seu produto. Vamos ver alguns exemplos dos diferentes sistemas de produção encontrados neste estudo.
O sistema de produção mais encontrado (76% dos produtores) foi a sementeira em solo num sistema totalmente aberto. Neste sistema foram encontradas as mais variadas espécies de PAM (hipericão do Gerês, alfazema, alecrim, salva, equinácea, etc.).
Outro sistema encontrado em 39% das explorações corresponde à sementeira em terra no solo, mas dentro de uma estufa. Encontraram-se espécies como a erva-príncipe, hortelã-pimenta, erva-cidreira, etc.
Em cerca de 45% das explorações verificou-se que os produtores tinham as produções em bancadas dentro de estufas. Neste caso encontraram-se a salsa, coentros, lúcia-lima, etc., e encontraram-se 2 tamanhos de mesas: um de 4’ x 10’ (foram encontradas 26 mesas) e outro de 5’ x 96’ (foram encontradas 16 mesas).
Outro tipo de sementeira mas em vasos e dentro de estufas foi encontrado para 34% dos produtores e estava associado a plantas como o manjericão, segurelha, hortelã, etc. Foram encontrados 3 tamanhos diferentes de vasos: 4’ x 40’, 3’ x 100’ e de 6’ x 50’.
Por fim dizer que foi encontrado um produtor (2%) que estava a instalar um sistema hidropónico, que por sua vez está associado a mesas e dentro de estruturas.
Na maioria dos produtores verificou-se que estes não tinham adaptado um único sistema de produção, mas sim uma simultaneidade de sistemas, complementares entre si. Na tentativa de estabelecer um padrão, a situação que mais se encontrou foi a sementeira em terra, num solo aberto, associado a sementeira dentro de estufas (bancadas ou vasos).
Sistema de rega
Todos os produtores de PAM em MPB, que participaram neste estudo responderam ter algum sistema de rega associado à produção destas plantas. Entre os sistemas de rega indicados, 73% usam o sistema de gota-a-gota, 17% usam a rega por aspersão e 10% usam o sistema de gravidade.
Quanto à origem da água verificou-se que 83% dos produtores utilizam água proveniente de furo, poço ou nascente, 12% utilizam água de uma charca e 5% utilizam água de um curso natural de água. Foi feita uma comparação destes resultados com os disponibilizados pelo RGA1999 e verificou-se que os resultados do nosso estudo eram semelhantes aos obtidos nesse estudo de 1999, para a origem da água utilizada na rega, como se pode verificar no gráfico 6.
Gráfico 6 – Origem da água utilizada na rega (grupo versus RGA99)
Material vegetal
É importante conhecer a procedência das sementes ou das plantas que se utilizam no processo produtivo destas espécies, para determinar qual a sua participação nos custos de produção de acordo com a sua origem, quantidade e preço. Deve-se realçar que o mesmo produtor pode obter as sementes ou as plantas para a sua produção de formas diferentes e não apenas duma única forma.
Cerca de 36% dos produtores de PAM em MPB que participaram no estudo responderam que obtém as sementes a partir de culturas já instaladas e o mesmo número de produtores afirmou que também obtém plantas por propagação vegetativa, feita nas suas próprias explorações. Outra forma indicada foi a compra directa nos mercados, 54%, sendo que o caso da compra de sementes foi indicado por 23% dos produtores e o caso da compra de plantas foi indicado por 32%. Por fim, e não menos importantes, cerca de 22% dos produtores indicaram que importavam as sementes, nomeadamente de países como a Áustria, Suíça, Alemanha, França e Estados Unidos.
Mão-de-obra
No grupo em estudo verificou-se que o total de pessoas que trabalhavam nas explorações de PAM era de 188: 52% são mulheres e 48% são homens. A exploração com maior número de trabalhadores (mão-de-obra fixa e mão-de-obra eventual) tinha 16 pessoas e situa-se no distrito de Viseu. Várias outras explorações têm apenas um trabalhador eventual e quase sempre trata-se do cônjuge. O valor médio apurado para o número de horas de trabalho diárias, que se dedicaram a estas produções, foi de 4,6 horas.
No gráfico 7, apresenta-se o número de horas diárias trabalhadas em cada exploração de PAM em MPB: em 54% das explorações trabalham 5 horas diárias; em 19% das explorações trabalham 6 horas por dia; em 12% das explorações trabalham 4 horas por dia; em 10% das explorações trabalham 3 horas por dia; e, em 5% das explorações apenas dedicam 1 a 2 horas diárias.
Gráfico 7 – Número de horas diárias dedicadas em cada exploração à produção de PAM em MPB (2009)
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Na produção de PAM em MPB realizam-se diferentes operações cuja distribuição por género são apresentadas no quadro 1. Em todas as tarefas agrícolas, a maior percentagem de participação corresponde a homens, excepto nas tarefas de limpeza e de corte de folhas, onde as mulheres têm uma participação de 33% e 50%, respectivamente. Por fim, deve-se realçar a existência de muitas explorações onde ambos os géneros partilham as tarefas agrícolas necessárias.
Quadro 1 – Distribuição das tarefas agrícolas por género (grupo)
TAREFAS |
MULHERES |
HOMENS |
AMBOS |
Monda manual |
22% |
56% |
22% |
Cargas pesadas |
0% |
43% |
57% |
Transporte |
17% |
33% |
50% |
Colheita |
8% |
46% |
46% |
Propagação |
13% |
63% |
24% |
Adubação |
7% |
86% |
7% |
Retancha |
25% |
50% |
25% |
Plantação |
25% |
42% |
33% |
Embalar |
14% |
14% |
72% |
Limpeza |
33% |
0% |
67% |
Corte caule |
0% |
0% |
100% |
Corte folha |
50% |
0% |
50% |
Conclusão
Em resumo apresenta-se o perfil dos produtores de PAM em MPB em Portugal:
(1) As espécies mais produzidas são Lúcia-lima, alecrim, hortelã-pimenta e tomilho-limão;
(2) O distrito onde se produz um maior número de espécies diferentes é Braga;
(3) O sistema de produção mais comum é a sementeira em terra, num solo aberto;
(4) O sistema de rega mais comum é a gota-a-gota, cuja água provém maioritariamente de furo, poço ou nascente;
(5) Equilíbrio entre o número de trabalhadores de cada género que trabalham nestas explorações, com um valor médio de 4,6 horas/dia;
(6) Distribuição não equitativa por género nas diferentes tarefas dentro da exploração
Bibliografia
Oztekin, S., Martinov, M. (2007), Medicinal and aromatic crops – Harvesting, Drying and Processing. New York, Haworth Food & Agricultural Products Press. An imprint of the Haworth Press, Inc.
Proença da Cunha et al (2009), Plantas aromáticas em Portugal – Caracterização e Utilizações, Fundação Calouste Gulbenkian
1.º artigo – Perfil dos Produtores de PAM em MPB
2.º artigo – Explorações de PAM em MPB
© Nuno Claro Morujo, 2012 (todos os direitos reservados)